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19.10.05
Café da Mañã XII
Pudera a cabeça esquecer-se de densas questões,
e o espírito alimentar-se de metade das inspirações.
Consiga eu conformar-me com o que é,
e deixar ao menos por hoje, de sonhar, caminhando.
17.10.05
14.10.05
VICENTE, Manuel
'Havia uma maneira parecida com aquela a que tinhamos sempre aspirado; havia uma maneira que nos dizia poder ser estudada a arquitectura sem cronologias obedientes, lida na banalidade comercial, nos quais sublimes ou nos mais obscuros exemplos do passado ou nas experiências mais fortes dos arquitectos contemporâneos; havia arquitectura nas descrições dos poetas, nas memórias da nossa infância, nas memórias da infância dos outros; havia analogias(de construção, de montagem, de síntese) com os modos de fazer cinema, ópera ou pintura. Não havia, afinal, motivos de culpabilização para o nosso desejo de forma ou de prazer perante as formas, na nossa vontade de plenitudes idênticas àquelas que nos incendiavam quando as percebiamos dentro de um romance, de uma escultura ou de uma peça para violoncelo.
(...)
O prazer de viajar e discorrer; o prazer de usar a noite para falar, no carro, no istmo, na rua, em casa; o prazer de chegar a ser contraditório para nada provar, apenas a relatividade de tudo; o prazer da radicalidade das afirmações; o prazer do que se fez, se empenhado; o prazer de construir (a partir de quase nada) um intrincado universo de relações, composições, hipóteses; o prazer de usar a memória, o passado, o já vivido, livremente, criativamente, ao serviço de outros problemas ou de recorrentes impasses humanos; o prazer de citar sem rigor (“se non é vero é ben trovato”); o prazer de especular, de criticar sem concessões, de celebrar a vida em todas as suas manifestações por mais pequenas ou anónimas que parecessem; o prazer da abordagem aos problemas por lados insuspeitados, não comuns; o abrir dos novelos com a exactidão do sítio mais difícil mas também do mais potenciador de outras soluções; o prazer, sobretudo, de gostar da arquitectura, de gostar da beleza, de gostar de quase toda a produção humana, porque é construção humana e construção de sentido, sem ordenação ou preconceito.
(...)
Aprendemos a lição de regrar o universo a partir da vontade de destruir as regras banalizadas; de o assemelhar a um organismo vivo, certo para consigo e para com os outros organismos sendo diferente, aprendemos a testar permanentemente a correspondência, a rima, o fraseado, a subverter o fraseado e a rima e a caminhar, às vezes, na fronteira absoluta da leis desconhecidas; aprendemos a interrogar mentalmente programas e a extrair deles o significado mais escondido que é preciso ir buscar muito ao fundo desse elenco superficial.
(...)
A ele recorro sempre, no pânico da vida, e acabamos a rir-nos. Cheios de arquitecturas apaixonadamente estúpidas na recusa comum da facilidade, vamos construindo pequenos troços cúmplices mesmo quando nos criticamos.'
13.10.05
CARRÉ, Lucas
'A natureza do seu trabalho impediria-o de constituir família, como lhe pedia a tia Brugel cada vez com mais insistência. Já não se apaixonava com a facilidade dos vinte anos e começava a resignar-se à ideia da solidão, convencido de que lhe seria muito difícil encontrar a mulher ideal, apesar de nunca se ter perguntado se reuniria os requisitos exigidor por ela, no caso improvável desse ser perfeito surgir no seu caminho. Teve alguns amores que acabaram frustrados, algumas amigas leais em diversas cidades que lhe davam as boas-vindas com a maior ternura se por lá passasse e conquistas suficientes para alimentar o seu amor próprio, mas já não se entusiasmava com relações passageiras e a partir do primeiro beijo, começava a despedir-se Tinha-se transformado num homem energético, pele e músculos tensos, com os olhos atentos rodeados de rugas finas, bronzeado e sardento. As suas experiências na primeira-linha de tantos acontecimentos violentos não tinham conseguido endurecê-lo, ainda era vulnerável às emoões da adolescência, ainda sucumbia à ternura e perseguiam-no de vez em quando os mesmos pesadelos, misturados, sem dúvida, com alguns sonhos felizes de coxas rosadas e cachorros. Era tenaz, inquieto, incansável. Sorria com frequência e fazia-o com tal sinceridade, que ganhava amigos por todo o lado.'
11.10.05
Madrid, 19:15
Projecto: Fachada de Edificio
Local: Porto
Método: Pesquisa de Imagens
Comentario: Isto é bonito pa caraças
Método: Discussão das Imagens com colegas
Comentarios dos colegas: Deviamos fazer um projecto a preto e branco.
Têm razão os moços:
É que as fotos da melancolia do Porto a P&B, são redundantes.
Imbatíveis
Coisa feia, a vingança
Da terra, donde vos escrevo, e donde não vem nem bom vento, nem bom casamento, temem-se hoje os maus ventos gerados algures entre a Madeira e os Açores, enviados malignamente de Portugal.
Plano de Alerta Laranja na véspera do dia nacional de Espanha.
Com franqueza, caros compatriotas, não podiam ficar com a tormenta só para vocês?
10.10.05
Cidade Adiada
Vou a Portugal. Pago um batelão de massa. Na época das companhias low-cost, o destino-Portugal é seguramente o pior na relação preço/quilómetros, o cu da Europa, o último refúgio de isolamento europeu.
Vou. Eleições na cabeça, um projecto - Carrilho que por alturas de Junho me fazia sonhar num projecto de cidade inédito. Havia os filósofos, os pensadores, jornalistas, artistas, tecnocratas, arquitectos, urbanistas, um grupo de cidadãos de inequívoca qualidade predispostos, como eu, a acreditar no Homem esquecendo-lhe a soberba.
Depois, uns e outros se foram esquivando. Uns na primeira página de jornais outros de mansinho.
Ao dito Homem, lhe faltava carácter, dizia-se.
Eu não quis querer nas críticas lidas; mais me cheirava, confesso, à cobardia de quem não tendo já a vitória assegurada, não se quer, por interesse próprio associar, a uma possível derrota.
Em Portugal, 5ª feira à noite, abro o precedente de dizer que não aos amigos, ao álccol e às mini-saias e quedo-me por casa. A razão: o ultimo debate - moderado, não vão os homens esbofetear-se - dos candidatos à mais alta figura autárquica em Portugal.
Não queria querer: o Sá aos disparates (entende-se que nele o voto é para vereador e até se dá o disconto), o Carmona calado, calado, parecia um espectador (e nas poucas palavrinhas é impossível disfarçar a tolerância que se sente com a inocuidade do pobre coitado), o Ruben - coitado também -, devia ter ficado calado também, que passar hora e meia a defender, e a defender bem, o legado da coligação PS-CDU de outrora, é dizer muito pouco do futuro, e poupar muito o Carrilho que quer e não ser do PS. A Zezinha também ficou calada, que o tunel não lhe diz nada, o trânsito não é problema e os transportes públicos não são o seu pelouro e quando se fala da santa habitação - sim, a Zezinha até já foi a Santa Casa - tem tanto medo de ficar calada que pede para não a mandarem calar, antes mesmo que alguém se lembre de o fazer.
Pior, pior, só mesmo o Manel Maria. Entende-se que o Homem vive no mundo dos Deuses, dos Platões e dos Sócrates ain da que prefira sempre o Deleuze, mas não se entende como pretende governar uma Câmara nas nuvens. Entende-se que o forte do Homem são os que lhe estão (estavam...) por detrás, mas não se entende então como concentrar tanto a atenção no seu Ego. Entende-se a supremacia do Homem sobre o outro da inocuidade, mas não se entende a desfasatez de o ignorar. Entende-se que isto de alvitrar aos homens terrenos as suas vontades não seja digno do Homem mas não se entende que do seu púlpito não nos chegue - a nós mortais - sequer uma gota de informação ou novidade.
Desde esse momento, o susto; o baixar de braços, o suspiro profundo pela confirmação do meu pior receio: a cidade inevitavelmente se adiaria por mais 4 anos. Mais 4 anos de deriva de projecto, 4 anos nas mãos da especulação imobiliária, 4 anos de decisões casuísticas, 4 anos de caciquismo, 4 anos para livremente devorar as parcelas sobrantes de qualidade do território, 4 anos de medicina curativa e não preventiva.
Pensei então no absurdo. Depois de 250 euros investidos num voto, pensei em não votar.
Pensei no Saramago, pensei no voto em branco, pensei em fazer a cruzinha com burriés, com merda de pássaro, ou mesmo com a minha, pensei em bombas e nos narizes de palhaço de outros arbítrios, pensei em votar em quem não era candidato, pensei em votar em mim, pensei em votar no Rio de Lisboa, na Luz de Lisboa, nas janelas de Lisboa, nos miradouros de Lisboa ou no Marquês de Pombal.
Pensei em votar em Lisboa, não querendo acreditar que Lisboa afinal não era candidata.
Olhos no chão. Bom dia aos contínuos de outras datas, secção de voto IX. Cidadão André Albuquerque, BI nº 11710335, eleitor nº 23062, 3 papéis na mão, faça o favor de votar.
Olho para os papéis e não vejo o Su Doku - eu antes queria resolver um Su Doku -, coço a cabeça à procura de uma saída com classe para o imbróglio. Uma solução genial, legal e honrosa para tamanho paradoxo. Penso na minha mãe que horas antes havia encontrado a sua:
- eu não voto. Pela primeira vez depois do 25 de Abril, não voto - Ponto final, presumi eu. E não constestei.
Hesito uma, hesito duas, hesito três, voto na assembleia, na junta e na câmara voto em todos que é como quem diz que não voto em ninguém. Voto no AF, que no seu post de hoje sustenta que o voto teria um resultado mais correcto e uma afluência às urnas muito maior se cada eleitor dispusesse de um voto contra: o menos votado seria o eleito. Dessa forma - segundo ele, e eu voto nele - eliminariamos aqueles candidatos reconhecidamente corruptos, sistematicamente eleitos pela inércia do voto partidário.
O voto contra.
O Saramago devia escrever outro ensaio.
Quid Pro Quo
Projecção
O engenheiro vai dar um presidente ordinário.
E agora um post que não tem nada a ver com as eleições
Este foi um óptimo fim-de-semana.
5.10.05
Se não se importam;
vou aí pôr um pezinho na areia,
um beijinho na mamã,
e uma cruzinha num papel.
Já volto.
Fin de mundo (El viento)
Por eso tengo que volver
a tantos sitios venideros
para encontrarme conmigo
y examinarme sin cesar,
sin más testigo que la luna
y luego silbar de alegria
pisando piedras y terrones,
sin más tarea que existir,
sin más familia que el camino.
PABLO NERUDA
3.10.05
Eclipse
Madrid pára hoje às onze menos 5.
Síntoma de que nos ultimos dias a Natureza resolver retomar o seu papel central, investindo-se de máximo terrorista, lembrou-se de pôr a Lua no caminho do Sol e devolver-nos às trevas por curtos dez minutos de penumbra em pleno dia.
Eu, humilde cidadão, tenho porém outra explicação. Explicação de quem tem a lua por amante, e num momento recente de erótica intimidade se lhe confessou que se sentia tao perdido de dia, como encontrado de noite.
Este é por tanto uma visita de dois amantes, partilhado diante de todos.
Este momento é só meu.
Café da Mañã XI
Percebe-se que o Outono já para aí anda, quando comendo o pequeno-almoço de todos os dias, à mesmíssima hora dos ultimos 4 meses, não percebo onde acaba um chocapic e começa outro, não chego a a entender se fui eu que ainda não abri os olhos, se foi o sol que ainda não deu por aberto o dia