30.6.06

o sábio

Quis ser poeta. Depois quis ser somente escritor. Passou a nobel artista, escultor, sonhou-se arquitecto, médico, doutor, engenheiro, veterinário, biólogo, cientista e professor. Imaginou-se de barco à vela, numa praia perdido, servindo bebidas, vendendo missangas, dormindo na rua, sofrer para escrever, ser poeta, escritor. Quis tudo. Intensamente. Quis tudo tão depressa como se o pudesse haver sido já desde ontem. Quis tanto ser tudo que consta que quis inclusivamente, por um período igualmente sôfrego, não ser rigorosamente nada. Foi nesse momento, consta, que pôde garantir a si mesmo ser tal qual como se gostava de chamar: Sábio; o homem sabedor da vida e nos seus passos perdido.
No fim dos seus dias, ao falecer, jazendo miudinho, traquejando e fedendo o corpo inteiro, revelou ainda douto que a vida toda não havia sido mais do que esses cinco minutos querendo o nada, com a consciência tranquilamente desassossegada de haver querido e alcançado tantas outras coisas. Revelou, suspirou, sorriu e a filha prostrada junto a si deu-lhe a mão apertando-a forte e triste contra o seu próprio corpo. Em seguida, cerrou a pestana e disse adeus sem acenar.