25.11.05

She

Falo com a minha chefa. Ponto de situação. A meio do contrato. Momento entre projectos. Tempo de aclalrar conflitos e pôr os non i’s os pontos que entretanto já namoravam outras letras. A verdade é que aminha ‘chefa’ é uma brasa. Corrijo. Uma senhora. Argentina (de Buenos Aires como convém), cinquentas e troca-o-passo, uma simpatia de menina com saia pregada saída do colégio depois do recreio e uma suavidade de trato que não fora a idade vi(vi)da e eu a quereria só para mim. Trabalha desde sempre neste mundo de filhos da puta; entre tubarões promotores, construtores sem escrúpulos, e alcaides ladrões; sem nunca, tanto quanto me parece (ó ingenuidade, tenra ingenuidade!), perder os seus lirismos de geração parida em sessenta e oito. Enquanto acredita que querer é quase poder, quer quase sempre mais do que pode e, como eu, acorda num dia entre outros, invariavelmente de braços caídos pelo mundo onírico que criou, o qual de tão distante, para que volvesse à realidade tectónica, gravítica e pragmática do problema lhe tomariam –e tomam- inevitavelmente, ao menos dois dias de genuína agonia. A minha ‘chefa’ é uma fixe. Traz-me de quando em vez um livro que não vem, quanto ao trabalho em causa, a propósito de rigorosamente coisa nenhuma; recomenda-me o teatro que não posso perder, entrega-me a chave da discussão do momento sobre a qual não me poderia deixar de manifestar e obriga-me, sem excepção, a lutar por todas as minhas taras, não desfazendo as minhas manias. Um outro dia, que não hoje, nem outro que me possa recordar qual, replica-me como quem me quer pedir um favor irrelevante ou mesmo favor nenhum que por favor, André, não faças o que te pedi, faz o que te apetece. E no final, pagou-me igual. Outro dia, uma manhã, outra em que chego com olhos de quem pouco dormiu, ri-se irónica, asserte que isto não são maneiras e que melhor faria, se passasse a resolver os projectos na noite, em momentos que, já se vê –segundo ela, via-se já- os projectos claramente se resolveriam com a alegria e o espírito mais consentâneos com os bons projectos; posto que completa dizendo que os seus melhores projectos sempre os resolveu em casa com o Carlos –brilham-lhe os olhos, como sempre que fala do argentino que a toma como mulher- ao som de Carlos Gardel ou Astor Piazzola, e renovando o entusiasmo com o melhor (ou o mais barato) vinho. Depois, dias há, esses em que parece que a realidade, ou o cliente, a apanham desprevenida, em que se comporta como a mais tola criança; fazendo beicinho ou mandando sem pudor o Santíssimo pó caralho; o que, em lhe passando a neura só me faz mais querer um dia, com a sua idade, não o cliché de olhar para trás e ver como foi tudo tão bom mas, fazer como ela, e renovar uma outra vez, ultrapassada a arrebatadora, mas sempre curta crise, o entusiasmo pelo trabalho de todos os dias. Pois com ela falei hoje. Sobre o meio do contrato, sobre este momento entre projectos e sobre como se acalmam conflitos. Juntos nos rimos com os i’s que fogem ciclicamente dos pontos para namorar outras letras e sobre como nos vai saber bem ir agora já, antes da hora, de fim de semana, finda uma semana deliciosa porque exactamente igual a quase todas as outras.

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

sempre tive, e tenho ainda, inveja de como vives a vida.não necessariamente a vida que vives mas a forma como vejo que a fazes passar por ti.
a partir de agora há mais outra pessoa nessa lista de invejas.

11/25/2005 5:53 da tarde  
Blogger .G said...

os teus ventos amenos levam mais 5 minutos dos meus dias (digo-to somente porque os 5 que levas são dos melhores que se contaram hoje.)

ps. nota-se muito que passei o dia a trabalhar no meu projecto?????

11/25/2005 10:04 da tarde  
Blogger .G said...

...e acerca da patroa:

" ... I lover her and i haven't met her yet... " (bjork adaptada)

11/25/2005 10:06 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Tenho uma inveja incrível pela maneira como escreves... às vezes nem pareces real! Mas afinal de que planeta és tu? E saber que tens o meu sangue.. porque não escrevo bem também assim como tu???

bj e volta depresa e deixa as saias da patroa

PS: Não escrevo mas tenho outras coisas.. vai ao meu blog!

11/25/2005 11:36 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Que bom que é ter-te de volta!
Em todos os sentidos, em todas as vertentes, ter-te apenas, a ti... nas tuas palavras!

11/26/2005 10:17 da tarde  

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