o burocrata
Chega bafejando o cansaço não curado, o leito descurado, as pernas esperando tic-tac-tic-tac a hora da sesta, o dia de sexta. Lá, no lugar dos computadores acesos, das almas paradas, das teclas batidas, dos cifrões contados, ao espírito não se lhe ocorre ocorrer-lhe algo. Não discorre, não concorre, não percorre. Nada. Amorfo. Cumpre apenas.
Cumpre o dia que compete ao diário; as papéis paqui-pacoli, os livros pesquisados – sempre os mesmos –, os sites acedidos – sempre os mesmos -, as conversas mantidas – sempre as mesmas -, o café da maña e o da tarde – sempre à mesma hora -.
E encomenda de lá pa cá e de cá pa lá. Vende, encomenda, inventa, compra. Cumprindo apenas.
Ao certo dia – na noite, que é o que sempre lhe resta – senta-se por fim sem meio, sentindo por fim sem esteio, e fica zonzo vendo a vida vendida, rota, vendo por fim o peio. Deixa-se assim ficar olhando em vazio, o vazio de tudo, tragando o vinho diário, nestes dias, sem o medo diário de amanhã.
É assim que de trago em trago, como quem deglute o hausto, se sara da faina, desejando o desplante da vida errante.
Dessa ébria condição em que se concede extasiado um outro dia de amanhã, sai invariavelmente, na própria maña seguinte, ao tanger do despertador das oito. Nega-se uma, nega-se duas mas à terceira, erguido a custo, enceta tudo de novo a par de suspiros profundos. Resolve a higiene, alimenta a tripa e lesto sai de onde apenas quatro horas antes o vinho o havia abandonado. São vinte minutos baixo terra - vinte minutos apenas - até chegar bafejando o cansaço não curado, o leito descurado, as pernas esperando tic-tac-tic-tac a hora da sesta, o dia de sexta.
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o literato
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